sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Eternos zumbidos em noites frias

Era noite, Jorge não aguentava mais ouvir o barulho da cigarra no seu ouvido e aquilo havia o atormentando desde a noite passada. De manhã viu seus colegas ao longe, eram colegas, não amigos, disse um "olá" e continuou a caminhar sem ter ouvido as respostas deles. Ele só ouvia a cigarra, conseguiu descrever exatamente como esta fazia o barulho: batia as asas. Maldita cigarra, parecia que entrara no seu ouvido, maldita.
Continuou caminhando e não sei em que momento ao certo ele percebeu que aquilo não estava do lado de fora dele, estava dentro do seu ouvido, seria assustador se existissem cigarras em todos os lugares, mesmo com a porta fechada e a TV ligada no volume máximo, a cigarra era mais alta que a televisão, "estou ficando surdo" pensou.
Neste mesmo dia, quando Jorge já havia chegado em casa, Maria, que morava na casa ao lado, sentia uma coisa estranha perturba-la, mas não era um bicho no seu ouvido, demorou um tempo para perceber que o que estava a perturbando era a TV do vizinho, "aah... esse cara esta de brincadeira" e todas as coisas que ela resolvia fazer, como ler seu livro da tarde, cozinhar, pintar unhas, tentar dormir, ligar o rádio, até tomar banho, tudo que ela resolvia fazer o barulho a perturbava e existia um detalhe: Maria tinha uma aversão a TV's de uma forma absurda, não sei ao certo porquê, mas as pessoas do bairro diziam que seu primeiro e único namorado fora um famoso repórter, vá entender as pessoas.
No momento crucial do seu dia, a hora de deitar na cama e ler um de seus romances que comprara de um senhor que vendia livros de casa em casa, o barulho não permitia Maria a se emocionar com a morte do cara mais perfeito - ou talvez uma cópia de todos os caras perfeitos já criados - do mundo. Foi nesse momento, que ela se levantou e disse: Querido vizinho, vou ser obrigada a te matar se você não abaixar essa TV.
Saiu de sua casa, vestida com pijamas e sem se importar sobre o que iriam falar no dia seguinte, olhou para aquela casa pequena, com ares repugnantes e sem cuidados, tocou a campainha. Ninguém apareceu. Tocou novamente. Ninguém. Até que já não aguentando mais resolveu tocar um milhão de vezes até o senhor dar as caras.
Naquele mesmo instante Jorge começou a ouvir outro barulho contínuo junto com o som da TV e da cigarra e então pensou: Ah, isso está parecendo a campainha, bem... já não ouvia esta a séculos, mas a essa hora? Que mendigo vem pedir comida essa hora?
Levantou lentamente e abiu a porta da casa, no portão pairava dona Maria.
- Boa noite - ela disse fazendo um gesto com a cabeça.
Ele repetiu o gesto e só o que viu foram movimentos da sua boa.
- Senhor, gostaria de pedir a abaixasse a TV.
- Sim - Jorge não tinha ideia do que ela estava falando, pensou que ela estava precisando de ajuda.
- Ah, pensei que seria mais difícil.
- Sim.
- Então, poderia abaixar agora?
Ele fez um sinal de concordância com a cabeça. Maria não estava entendendo nada, aquele senhor continuava parado.
- Este grilo é realmente irritante.
Ele enlouqueceu, ela pensou.
- Então você não vai abaixar a TV ou desligar?
- Sabe, os grilos eles batem as asas e por isso fazem essa barulho.
- Sério, só estou pedindo uma coisa - ela fez o sinal de um com o dedo.
Ele entrou dentro da casa. Aleluia, Maria pensou olhando para o céu que tinha uma lua cheia que iluminava aquele lugar. Jorge andou pela casa, foi até a dispensa procurar alguma comida, coitada daquela mulher, não tinha dinheiro nem para roupas apropriadas para sair a noite. Um pijama, tudo que ela queria era Um saco de arroz ou qualquer outro tipo de comida.
Pegou algumas coisas da dispensa, um saco de arroz, de feijão, farofa, é acho que já é o suficiente. Saiu pela porta da casa, chegou no portão e foi oferecer para Maria que olhava para o céu.
- AQUI - ele disse um tanto alto demais, essa é a desvantagem de se estar surdo, não consegue medir a intensidade da própria voz.
Maria saltou e viu ele oferecendo um monte de comida, ela ficou extremamente zangada, começou a xingar ele, saiu pisando forte, entrou na sua casa, bateu a porta e bem... tentou dormir com um monte de travesseiro na sua cabeça enquanto a TV continuava alta.
Jorge não sabia que Maria era sua vizinha, Maria não sabia que Jorge estava surdo e chegou uma hora que o barulho já não incomodava tanto a ela, isso depois de longos dias de jornais insuportáveis com uma voz que ela conhecia bem demais.
Isso é só uma história de vizinhos que não se compreendem, existia sim outras história mais interessantes, sobre como Jorge também era incompreendido por sua neta, ou como Maria sofreu depois do término, mas sabe para os dois a vida estava sendo assim: entre a TV e o grilo.
E quando o grilo desapareceu Maria sentiu falta da TV  e comprou uma nova, que deixava alto para ela escutar do seu quarta nas noites em que se sentia sozinha.

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